A fórmula clássica das bênçãos judaicas, recitada até hoje em todas as tefilot e mitsvot, é familiar:
Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech ha-olam, asher kideshanu bemitzvotav…
Embora não seja encontrada palavra por palavra na Bíblia, sua estrutura é profundamente enraizada na Torah, no Tanakh e na própria prática de Yeshua no primeiro século. Este estudo demonstra que essa fórmula não é invenção tardia, mas síntese litúrgica de verdades reveladas diretamente pela Escritura.
1. “Baruch Atah Adonai” — “Bendito és Tu, Senhor”
A expressão “bendito seja o Senhor” aparece repetidamente ao longo do Tanakh, especialmente nos Salmos e em Crônicas. A forma exata da berachá rabínica — bendizendo Deus diretamente na segunda pessoa — é uma intensificação da linguagem bíblica.
Salmo 41:13: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, de eternidade a eternidade.”
Salmo 72:18: “Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel.”
1 Crônicas 29:10: “Bendito és Tu, Senhor, Deus de Israel, nosso Pai, de eternidade a eternidade.”
A fórmula rabínica faz apenas uma mudança: a Escritura diz “Bendito seja”, enquanto a berachá diz “Bendito és Tu”. Essa mudança não altera o conteúdo; apenas torna a oração mais direta, íntima e responsiva, refletindo o relacionamento do Israel orante com o seu Deus.
No primeiro século, essa forma já era plenamente usada entre os judeus. O cântico de Zacarias em Lucas 1:68 segue exatamente essa estrutura: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel”. O estilo rabínico de berachá estava vivo na língua dos discípulos.
2. “Eloheinu” — “Nosso Deus”
A declaração de que o Santo é “nosso Deus” é fundamento absoluto da fé de Israel. A Torah apresenta isso de forma direta:
Deuteronômio 6:4: “Ouve, Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um.”
Deuteronômio 7:6: “O Senhor teu Deus te escolheu para que lhe fosses o seu povo.”
Ao dizer “nosso Deus”, a berachá ecoa o Shemá e confessa a Aliança. No Tanakh, o título aparece continuamente:
Salmo 99:9: “Exaltai ao Senhor nosso Deus.”
Na comunidade messiânica do primeiro século, essa expressão permanece intacta:
1 Tessalonicenses 1:3: “Diante do nosso Deus e Pai.”
A linguagem não foi substituída pelos discípulos; ao contrário, continuou sendo a forma natural de oração.
3. “Melech ha-olam” — “Rei do universo”
A expressão rabínica concentra diversas afirmações bíblicas que apresentam Deus como Rei absoluto sobre tudo o que existe.
Salmo 10:16: “O Senhor é Rei para sempre.”
Salmo 47:2: “O Altíssimo é terrível, grande Rei sobre toda a terra.”
Jeremias 10:7: “A Ti se deve o temor, pois Tu és o Rei das nações.”
A Torah já declara que Ele é “o Deus dos deuses e Senhor dos senhores” (Dt 10:17), ou seja, Rei supremo sobre todos os reinos, poderes e autoridades.
A expressão “Rei do universo” é uma formulação rabínica que sintetiza todos esses títulos bíblicos. Não adiciona uma nova ideia; apenas une em uma expressão o conjunto das afirmações da Escritura.
No Novo Testamento, essa linguagem continua visível:
1 Timóteo 1:17: “Ao Rei eterno, imortal, invisível, ao único Deus.”
A realeza universal de Deus não é apenas uma doutrina, mas a base de toda bênção pronunciada por Yeshua e seus discípulos.
4. “Asher kideshanu” — “Que nos santificaste”
Este trecho da berachá é uma citação indireta, mas literal, da Torah. O verbo usado na berachá, kideshanu, é exatamente o verbo que a Escritura usa ao declarar que o próprio Deus santifica Israel.
Levítico 20:7-8: “Eu sou o Senhor que vos santifica.”
Levítico 21:8: “Eu, o Senhor, o santifico.”
Levítico 22:32: “Eu sou o Senhor que vos santifico.”
A santificação é ato divino. Israel não se santifica por si mesmo; Deus é quem o separa, purifica e consagra. A berachá apenas devolve esse reconhecimento a Deus em forma de louvor.
Yeshua confirma essa verdade no primeiro século ao orar:
João 17:17: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.”
E Pedro ecoa Levítico ao afirmar:
1 Pedro 1:15-16: “Sede santos, porque Eu sou santo.”
A santidade como ação divina é tanto mosaica quanto apostólica.
5. “Bemitzvotav” — “Com Seus mandamentos”
A Torah estabelece que a santidade de Israel está inseparavelmente ligada à obediência aos mandamentos.
Levítico 18:5: “Guardareis os meus estatutos e os meus juízos, e viverá por eles o homem.”
Deuteronômio 28:9: “O Senhor te confirmará por seu povo santo, quando guardares os mandamentos do Senhor.”
Santidade na Torah não é um estado abstrato, mas uma forma de viver conforme a vontade de Deus. A berachá retoma essa verdade com precisão: Ele nos santificou por meio de Suas mitsvot.
O Tanakh reforça essa ideia:
Salmo 19:7: “A lei do Senhor é perfeita.”
Salmo 119:2: “Bem-aventurados os que guardam as suas ordenanças.”
Yeshua ensina com a mesma base:
João 14:15: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos.”
Mateus 5:19: “Aquele que violar um destes mandamentos, e ensinar aos homens a fazer o mesmo, será chamado menor no Reino.”
A apostolicidade do ensino sobre mandamentos é clara:
1 João 3:24: “Aquele que guarda os mandamentos permanece em Deus.”
As berachot judaicas estão, portanto, em acordo profundo com o ensino de Yeshua e dos apóstolos.
6. Yeshua e as Berachot: A Prática Judaica do Primeiro Século
Os Evangelhos mostram Yeshua utilizando exatamente a estrutura das berachot rabínicas. A forma litúrgica judaica do primeiro século já era estabelecida, e Yeshua orava conforme essa tradição.
Três evidências centrais demonstram isso.
6.1 Yeshua abençoa o pão com fórmula rabínica
Mateus 26:26: “Tendo Yeshua tomado o pão, abençoou-o.”
O texto não registra a fórmula, porque seria óbvia para qualquer judeu do século I. A bênção pronunciada era a tradicional:
“Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech ha-olam, hamotzi lechem min ha’aretz.”
A mesma fórmula continua sendo recitada até hoje.
O mesmo ocorre na multiplicação dos pães:
Mateus 14:19: “Erguendo os olhos ao céu, abençoou.”
Essa “bênção” não é criação particular; é exatamente a berachá padrão sobre alimentos.
6.2 Yeshua agradece a Deus usando a forma das berachot
Mateus 11:25: “Graças Te dou, Pai, Senhor do céu e da terra.”
Essa expressão corresponde ao reconhecimento de Deus como Rei e criador, da mesma forma que as berachot o chamam de Rei do universo.
6.3 Os apóstolos continuam usando as berachot
Paulo segue o mesmo padrão:
1 Coríntios 10:30: “Se eu participo com ações de graças, por que sou caluniado por aquilo por que dou graças?”
A “ação de graças” citada aqui refere-se à berachá que antecede o alimento.
Pedro também expressa a mesma mentalidade litúrgica ao repetir a santidade como chamada divina, ecoando Levítico e a própria berachá.
7. Conclusão
A fórmula:
Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech ha-olam, asher kideshanu bemitzvotav
é uma síntese rabínica de verdades bíblicas estabelecidas.
Cada parte dela reflete diretamente:
A estrutura de bênção encontrada nos Salmos e em Crônicas.
A confissão de Israel no Shemá.
A declaração da realeza universal de Deus.
A afirmação mosaica de que Deus santifica Seu povo.
A Torah como caminho de santidade.
A prática devocional do judaísmo do tempo de Yeshua.
O modo como Yeshua abençoava o pão e o vinho.
O padrão das ações de graças dos apóstolos.
Portanto, longe de ser apenas uma construção litúrgica pós-bíblica, a berachá é o modo como Israel costurou em uma frase única tudo aquilo que a Escritura revela.
Yeshua a recitou.
Os discípulos a mantiveram.
E ela permanece até hoje como expressão fiel da fé de Israel no Deus que é Bendito, Nosso Deus, Rei do universo e Aquele que nos santifica pelos Seus mandamentos.
Shalom aleichem!
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